A Neurociência, nos últimos anos, fez bastante progressos no estudo sobre o cérebro bilíngue. Você pode explicar o que exatamente se estuda dentro desse tema?
Primeiro, é necessário entender o que é a linguagem: uma capacidade que a gente tem de aprender e utilizar sistemas de códigos, decodificando e codificando informações. Através dessa capacidade é que a gente consegue se expressar e trocar informações com o mundo. Quando estudamos a linguagem, estudamos como e onde a língua e os sistemas de códigos são armazenados e processados nas áreas do cérebro. Quando falamos sobre bilinguismo, estudamos onde e como as duas línguas são armazenadas: se são na mesma região do cérebro, uma em cima da outra, relacionadas, se eu aprendo uma língua e isso influencia a forma como eu penso, ○ que acontece, então, quando eu aprendo uma segunda língua? Os estudos recentes mostram que um cérebro bilingue tem uma reserva cognitiva maior, ou seja, diante de perdas, que acontecem naturalmente, o bilingue apresenta um delay (atraso) em relação a um monolíngue. Isso quer dizer que o bilinguismo faz bem à saúde. São vários ramos na Neurociência estudando o bilinguismo. O bilingue que aprende sem pressão, num contexto escolar, tem um cérebro diferente de um bilíngue refugiado, por exemplo. O uso que a pessoa faz da língua também influencia.
Bilingues tendem a ter um maior controle das funções executivas frias como controle inibitório, flexibilidade de atividades, atenção e lógica. O que isso significa, na prática, e como isso acontece no cérebro?
Essas funções existem para sobrevivermos no mundo. Temos uma estrutura que filtra, no nosso cérebro, as informações que são mais relevantes. Então, quanto mais eu desenvolver os meus processos atencionais, melhor. Existem comportamentos que devem ser inibidos, pois me expõem. Todo processo que é capaz de inibir comportamentos e hábitos que não são favoráveis é importante. Essas funções são usadas em todos os âmbitos da vida. Viu-se que o bilingue, para poder se expressar em uma determinada língua, precisa inibir a outra para não haver interferências indesejadas. Ele precisa manter estruturas gramaticais e coerências, que nem sempre são iguais nas línguas. As regras gramaticais, no alemão, por exemplo, são diferentes. As estruturas são diferentes. Então, é necessário fazer muitas inibições, manter a atenção enquanto se está utilizando uma língua e, mais ainda, quando se está num ambiente no qual se faz o switch (troca) de uma língua para outra. Quanto mais praticamos isso, mais áreas do cérebro fazem conexões e mais fortes essas conexões ficam. E aí muda-se a estrutura e as funções cerebrais. Vários estudos mostram que bilingues têm as funções cognitivas mais desenvolvidas, capacidade de inibir comportamentos indesejáveis maior, capacidade de conseguir trocar de tarefas com mais velocidade, capacidade de sustentar a atenção por mais tempo.
Tanto se fala de habilidades importantes no século XXI e você menciona, em seus estudos, que o bilinguismo influencia comportamentos sociais, emocionais e capacidades de se expressar. Que influências seriam essas?
Quando falamos em funções executivas, dividimos em frias e quentes. As quentes são aquelas que estão relacionadas a processos afetivos. Não dá para separar uma da outra. Exemplo quando precisamos alcançar uma meta, tanto os processos cognitivos lógicos (funções frias) quanto a regulação da emoção (funções quentes) são importantes. É uma relação recíproca. Se você não tem um controle da sua emoção, você não consegue fazer com que seus processos cognitivos racionais funcionem direito. O que a gente tem observado é que os bilingues têm, também, algum controle sobre esses processos quentes: controle da emoção, um autocontrole. E isso é muito necessário para vida. O bilingue é um indivíduo mais empático porque ele já teve que se abrir, necessariamente, pare uma coisa diferente. Parece que o indivíduo bilingue tem maior tolerância cultural e isso faz todo o sentido. Principalmente, bilingue que aprendeu desde cedo, através da imersão, pois eles estão inseridos em dupla cultura. Logo, eles têm uma visão de mundo de que existem coisas diferentes que tem o mesmo valor, pois tem a mesma utilidade. Nenhuma é melhor ou pior, apenas diferente. E isso ele consegue estender para uma terceira cultura, língua, cor...
Nós adotamos a imersão em 2 línguas, proporcionando ao aluno um ambiente no qual ele é estimulado a refletir e investigar temas diversos, nos dois idiomas, em contato com culturas diferentes no dia a dia. Existem estudos que mostram as diferenças no cérebro dentro desse contexto?
É preciso especificar o bilingue sobre o qual estamos falando para determinados estudos e suas vantagens. Todas as aquisições que o bilinguismo traz, é pela capacidade que o cérebro tem de ser plástico. As aquisições que vamos fazendo, vão modelando o nosso cérebro ao longo dos anos. Obviamente, existem as janelas de aquisição, que são períodos nos quais essa plasticidade é maior, nos quais adquirir uma lingua provoca mudanças mais profundas. Utilizar várias formas de aquisição da líingua também é essencial. A prática da língua e a produção na língua são importantes. Não é só saber e aprender, mas o uso que você faz vai mudar a estrutura e fortalecer as funções que falamos. A neurociência já diz que as aulas expositivas não funcionam. As diferentes vias pelas quais a informação entra também são importantes. A educação bilíingue abre fronteiras. Ela faz com que outros aprendizados sejam facilitados. O desenvolvimento de uma determinada linguagem parece mesmo facilitar aprendizados futuros. Nq alfabetização concomitante existe transferência de conhecimento entre os dois processos. Numa aula, você aprende numa língua e, já na outra, você consegue usar o processo adquirido. O que importa para ser bem alfabetizado é a linguagem verbal adquirida estar balanceada com as necessidades de uma alfabetização, O bilingue que aprendeu cedo através de um ambiente prazeroso de imersão, certamente, consegue alterações mais profundas em relação às funções de que falamos anteriormente.